Aristes e Hermes
- 22 de set. de 2020
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Era uma refrescante, porém escura noite. A lua apontava no céu em sua fase conhecida como nova, o que dava um ar um pouco fúnebre para a mal iluminada cidade de Cafarnaum.
Em meio a esse contexto, sentado em uma pequena ruína de um já velho casarão, mais especificamente em cima de um pequeno conjunto de destroços, que acidentalmente formavam um banco, estava Aristes.
O jovem fitava, sem sequer piscar, a longínqua e trevosa paisagem desértica que se instalava na região. Era comum que se ouvissem uivos de chacais e até mesmo o arrastar de serpentes naquela silenciosa noite. Em meio a tudo isso, Aristes permanecia ali, imóvel.
Dos céus, Hermes, um Deus grego mensageiro, capaz de comunicar o mundo divino com o mundo da matéria, inquieto com a inércia do rapaz, se aproximou, em um plano extra físico, para ouvir seus pensamentos.
- Aristes de que? Cafarnaum? Por que? Aristes quem? Qual a razão dessa existência “Aristes”? Ouço esses chacais, essas serpentes, também eles apenas existem. Qual razão? Procriar, caçar, exterminar outros animais... Por que? Pra que? O ciclo da vida... Qual razão? Qual o maior motivo para a nossa existência? Luz, escuridão, porque os ciclos e as oscilações, o que há por trás de tudo?
Hermes ficou compadecido com Aristes, que se encontrava em profunda reflexão sobre as razões da existência. Assim, resolveu se valer de pequenas partículas físicas para se materializar ao lado do filósofo.
- Arístes! Estas a questionar a razão da vida. Ouve então com atenção!
Aristes se assustou imensamente com aquela figura excêntrica, barbuda e diferente de tudo o que já havia visto se formando dos grãos de areia. O susto foi tamanho que o jovem caiu dos escombros, mas logo se levantou e, assustado, apenas olhou fixamente para o Deus.
- No princípio era o Caos. Apenas Caos. Do Caos, de alguma forma, surgiu Eros... Não como seu filho, mas como um complemento. Eros foi a inspiração de Caos para a criação – e também seu motor. Esse Caos não é sinônimo de desordem, como se vê hoje; a desculpa para ser caótico é ser criativo, mas não estamos falando do mesmo Caos. Caos é o princípio de tudo que há e dele foram se multiplicando Deuses em uma aparente divisão. Mas ora, dividir Caos era como dizer “eis meu braço direito, eis meu braço esquerdo”; por isso faltava algo para que Caos fosse criador. Então entram em cena Eros e Anteros, que unificaram e apartaram elementos minuciosos, dando a Caos a capacidade de ser tudo, sem ser nada e de estar em todo o lugar, sem estar em lugar algum. Agora havia vida.

Aristes, ainda confuso, olhava para o Deus com os olhos espantados, já que toda a explicação parecia pra ele algo muito distante de sua realidade.
- Oh senhor, cuja areia moldou teu corpo de maneira desconhecida, se essa origem for de fato real, mesmo assim o que isso responde minha pergunta?
- Veja... Por que Caos se dividiria? Por que Caos impulsionaria a autonomia? A razão, o propósito, é o amor da companhia. Pode parecer estranho, eu sei, mas a companhia, é um antigo impulsionador. Mas isso ainda não responde sua pergunta, já que nem toda companhia é boa, correto? Agora chegaremos ao ponto necessário. A boa companhia é aquela que respeita, que é virtuosa, que convive bem; por isso, desde os primórdios, quando partes trevosas se perderam em ataques sem fundamento por questões egóicas de tentar ferir Caos, ele compreendeu que é necessário que haja harmonia. Irmão meu, se o propósito inicial foi harmonia, convivência, esse propósito continua sendo agora. Vê a lua nova, há um novo ciclo se iniciando hoje. O Universo é feito em ciclos, desde o micro até o macro... Viva esses ciclos e aproveite seus benefícios. A tarefa é árdua, mas você, como um pensador de teu tempo, precisa cumprir com o papel que lhe cabe aqui: disseminar a convivência, as virtudes. Esse é um propósito simples, mas é o único que nos cabe. Desvendar o Universo, conquistar seus mistérios, adentrar na natureza oculta, tudo isso é emocionante, mas nada disso é tão importante quanto nos tornar pessoas melhores. Se te interessa pelo pensamento, pela filosofia, espalha o Eros primordial da união entre as nações e entrega a todos o que chamamos coração.
O Deus desapareceu entre a areia... Seu elmo, sua barba, seus trajes; tudo foi dissolvido. Aristes se manteve ali por umas 2 horas a refletir sobre o que teria acontecido. O jovem rumou para sua casa e, desde então, se dedicou ao pensamento e à difusão moral.
A introspectiva permite nos conhecermos, a partir dessa própria sabedoria, poderemos propagar conhecimentos para que outros também, se autoconhecam.