A direção correta
- 3 de nov. de 2020
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O tempo era seco, arenoso e o sol estava em seu ápice. O local era um deserto, onde uma grande caravana passava, rumo a terras misteriosas do sul. Em meio ao comboio estava Aziz, jovem de 24 anos sedento pelo conhecimento. Nessa manhã, especificamente, ele estava coberto de especial tristeza.
Assim que se passou seu período de jornada, ele adentrou na carroça de sua família para descansar e se proteger do sol, enquanto outra pessoa assumia seu lugar de guia de uma das inúmeras carroças em migração.
Por sorte, destino ou sincronicidade, pouco tempo antes um senhor havia passado mal e Aziz ofereceu a carroça de sua família para que ele descansasse. Assim que o jovem se sentou à sombra de um pano improvisado na carroça, o senhor iniciou um diálogo que Aziz jamais esqueceria.
- Meu jovem, vejo em suas feições que algo lhe aflige, posso ser útil?
-Obrigado ancião, mas não... Estou aflito porque conheci um grupo de cinco espiritualistas que aparentavam ter muito conhecimento... Eles me disseram que haviam aprendido ao norte. Estamos indo para o sul... Isso me incomoda... Eu gostaria de também ir ao norte e aprender, assim como eles.
- Bom... Pelo que vejo sua família precisa de você; não me parece exatamente uma opção para ti abandoná-la nesse momento e rumar para o norte, estou certo?
- Sim... Meus pais e meu irmão são um pouco doentes, por isso eu quem tomo conta da maior parte dos negócios da família. Isso não me impede, é claro, de usar meu tempo livre no estudo das coisas que me tocam, no entanto não posso me afastar deles, seria uma atitude cruel... Não sei o que fazer.
- Eu também não sei o que você pode fazer. Me parece que de fato você não sabe exatamente nada sobre o norte, apenas conheceu alguns espiritualistas vindos de lá. O norte, para mim, um velho imprestável, me parece mais uma simples direção do que uma casa de sabedoria...
- Não diga essas coisas... Não é imprestável. Hoje está velho, mas todos devem muito a ti. Não consigo entender o que fala... Como assim uma simples direção, não uma casa de sabedoria?
- É que uma vez conheci uma senhora muito, muito sábia. Ela me disse que a sabedoria era um tesouro tão grande que não podia ser escondida, nem guardada. Não creio que o norte tenha a força de guardar a sabedoria.
- Mas os espiritualistas...
- Veja bem... Não é porque um grupo de espiritualistas se formou ao norte, que o norte é melhor do que o sul. Será que a vivência deles é melhor do que a sua?
- Devem ter meditado bastante, se recolhido, aprendido, tido os melhores mestres! Creio que o senhor não sabe do que fala...
- Pode ser que você tenha razão e eu não saiba mesmo do que falo... Me parece interessante essa escola da meditação, do recolhimento, do aprendizado, os mestres... Tudo isso é formidável! Mas você conhece o que te aguarda no sul?
- Não! De fato não conheço...
- Foi brincadeira... Pouco importa também.
- Ora, ancião, está zombando de mim, por acaso?
- Jamais, meu amigo, jamais... Estou apenas a dizer que talvez deva entender o sentido da própria direção, ao invés de se frustrar com base na direção tomada por outras pessoas. Norte? Sul? Leste? Oeste? Porque não procura sentido aqui onde estamos? Hoje você deu abrigo a um pobre idoso que você nem conhece. Depois, quando me achei inválido, você me acolheu e disse que já fui valoroso para todos, sem sequer conhecer minha história. Já estás a praticar aqui e agora, só não percebe. Acredita que o valor se encontra longe, porque o perto se tornou para ti tão comum, que se cega para a sua verdade. Abra os olhos.
- O que faço é comum, é vazio... Não possui sentido. Faço coisas para a sociedade, não para o senhor Deus. Minha vida e meu tempo quase todos são dedicados aos assuntos do povo, enquanto eu poderia estar aprendendo e honrando ao Deus.

- Ouça com atenção essas palavras, pois as escutará uma vez apenas em sua vida. Nada escapa de Deus. Nada. Não diga: é do povo, é da cidade... Tudo é de Deus. O problema é que você e também outras pessoas acreditam que há apenas um caminho para Deus: o caminho da espiritualidade, dos rituais, do isolamento, da meditação... Não. Há esse caminho? Mas é claro! Ele é o único? É claro que não! Que chatice se todos tivessem que seguir a mesma fórmula! Norte, Sul, Leste, Oeste... Por favor, pare de buscar direções que te darão prazer, encontre o prazer na sua direção. O mesmo vale para a vida. Pare de buscar atividades que te tragam sentido, porque você morrerá procurando. Busque sentido na sua atividade. Tudo tem sentido, tudo tem aprendizado, tudo tem crescimento e tudo tem dever. Do comerciante ao espiritualista, todos estão dentro do dever. O problema não é “o que você faz”, mas sim o “como você faz”. Quer ser bom? Não espere ir para o norte e se tornar um banqueiro, seja bom aqui no deserto, como um guia de carroças. Não há direção; você é a direção, basta estar consciente disso.
- Nenhum dos cinco espiritualistas me disse palavras tão fortes, que reverberaram tanto em meu peito. Quem é você?
- Meu nome é ... Eu sou o Deva regente desse deserto. Foi um imenso prazer conhecer a alma mais brilhante desse comboio. Espalhe luz.
Assim, com sua última palavra, o ancião tornou-se areia, desvanecendo-se totalmente. Aziz, assustado, ficou paralisado durante alguns instantes, até que acordou, deitado na palha, do que chama de “o sonho mais revelador de sua vida”. Hoje ele possui 54 anos, jamais foi ao norte, mas continua sendo uma alma que espalha luz por onde passa.
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